4 de julho de 2011

«É bom trabalhar nas Obras» (92)

Começa assim:

«Na quarta-feira levaram o professor Santos preso.
Nada de estranhar, nestes tempos que correm. Só que o professor Santos é o meu pai.
Às quartas de manhã temos filosofia, depois ginástica e a seguir duas aulas de álgebra.
Vamos quase sempre os dois juntos para o colégio. Ele faz o café e eu estrelo os ovos e ponho o pão na torradeira. O papá gosta do café forte e sem açúcar. Eu bebo-o traçado com leite, e embora também não lhe deite açúcar, mexo a colher na chávena como se tivesse posto.
Este mês, o tempo tem estado mau. Faz frio, cai uma morrinha e as pessoas agasalham o nariz com os cachecóis. O papá tem uma gabardina clara, de cor bege, como as dos detectives nos filmes.
Eu visto um casaco de couro preto por cima do uniforme. As gotas escorregam na pele e não conseguem molhar-me. Até ao colégio, são cinco quarteirões. Quando saímos do elevador, o papá acende o seu primeiro cigarro e vai-o fumando lentamente mesmo até à porta do liceu.
O tabaco dura precisamente até esse ponto, e então atira-o ao chão e faz-me um gesto teatral para que eu esmague a beata com o sapato. Depois entra na sala de professores para ir buscar o livro de ponto e quando entra na nossa aula pergunta onde é que tínhamos ficado a última vez.»

[Antonio Skármeta, Os dias do arco-íris; em tradução para a Teodolito]

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