1 de outubro de 2012

Nem sempre a lápis (322)

... finalmente, uma ligeira brisa carregada com a transpiração pegajosa dos pinheiros e eucaliptos começa a descer a serra e a misturar-se com as pinhas acesas para grelhar carapaus para o jantar. E à medida que as pinhas pegam e o carvão começa a crepitar, na estrada, atrás do eucaliptal ao lado, ouvem-se passar camiões fúnebres carregados com os derradeiros troncos de pinheiro que era a verdadeira mancha verde que caracterizava e era a principal indústria de Mortágua. Desse passado, resta uma estrada – que julgo única e entregue ao livre trânsito das ervas daninhas – com a faixa descendente em paralelepípedos, para que as pesadas rodas dos carros de bois não cortassem o alcatrão, quando a desciam para trazer os troncos para as serrações. Hoje entregues ao esquecimento e vandalizadas pelo tempo, que optou pelo lucro fácil e duvidoso do eucalipto, fertilizado por um número crescente de incêndios.
Olho para o meu sobrinho neto e – por mais que tente, por mais que me esforce por não lhe estorvar a liberdade de ser quem é e será – não consigo deixar de pensar: como será uma geração que perdeu, que já não chegou a conhecer a alegria ancestral de talhar barcos à navalha em carcódoas de pinheiro?

4 comentários:

ZMB disse...

O meu avô fazia cestos de vime para a jorna e para mim fazia arcos e flechas cortadas à navalha... será sempre um herói para mim.

Cristina Torrão disse...

Olha que senti o cheiro das pinhas a arder e dos carapaus grelhados ;)

Nunca soube para que era essa faixa descendente em paralelepípedos. Sempre pensei que o alcatrão, lá em cima, se tinha gasto ;)

E esse sinal de trânsito... Ainda existe, nas estradas portuguesas? Nunca o vi, na Alemanha.

fallorca disse...

A foto é de 2007, mas a estrada (troço é mais correcto) continua a existir tal como a vês: sinais de trânsito, marcos quilométricos com o nº. da estrada, etc

CCF disse...

Uma geração com os polegares mais compridos de tanto teclar sms e FB.
~CC~