Decorrido um ano, praticamente, após a euforia 2666 – em tempo oportuno critiquei a possibilidade de se comparar o livro póstumo de Roberto Bolaño e Ulisses de James Joyce, por razões óbvias; ninguém o lê, calinada de marketing – subscrevo inteiramente tanto a avisada opinião d’ O Patrão da Barca, foi a que li primeiro, como a tomada de posição do editor do autor que, repito para que se recorde, confessava alguma dificuldade em considerar-se chileno ou mexicano. Viria a morrer em Blanes, uma terriola costeira a Norte de Barcelona. Poderá parecer irrelevante o feitio ou circunstâncias que fizeram de Bolaño um andarilho, detenho-me mais na ânsia de uma atitude apátrida, extensiva à literatura e ao uso dela. O que escrevo a seguir não adianta nada de novo: Bolaño está para a literatura, faminta de um Rimbaud, como Jim Morrison ficou para o rock; aliás, o género de música preferido pelo autor de 2666 e grande apreciador de M. C. Escher; tratava-se bem. Basta uma breve busca em imagens, no Google, para os nossos olhos passarem a ver Bolaño por tudo quanto é sítio; não me dei ao trabalho de confirmar, se grafitado também no Père-Lachaise. Nem à canseira imobiliária, de senhorio a verificar se alguma parede afirma que está vivo, preto no branco desaparecido algures no deserto de Sonora a partir teclados; é possível que lá cheguem. Quanto a 2666 propriamente dito – pedi para reservarem o exemplar especial (selado, sedado) durante a apresentação na Ler Devagar, comigo em Porto Covo – comecei a lê-lo na edição popular, mas algo se interpôs. Contaminado pela retoma da euforia, vou acreditar que se trata de mera coincidência, agora predominantemente anti-Bolaño e ele raladíssimo, procurei em Entre paréntesis (artigos, entrevistas; o restolho, digamos) um episódio vivido por Bolaño e contado a Mónica Maristain, para a revista Playboy:
«Alguma vez teve medo dos seus fãs?
Tive medo dos fãs de Leopoldo María Panero (…) Em Pamplona, durante um ciclo organizado por Jesús Ferrero, Panero encerrava o ciclo e, à medida que se aproximava o dia da leitura dele, a cidade ou o bairro onde ficava o nosso hotel, foi-se enchendo de freaks que pareciam acabados de fugir de um manicómio, que, por outro lado, é o melhor público a que pode aspirar qualquer poeta. O problema é que alguns não só pareciam loucos como também assassinos, e Ferrero e eu, tememos que alguém, a certa altura, se levantasse e dissesse: Eu matei Leopoldo Panero, e a seguir pregasse quatro balázios na cabeça do poeta e, já agora, um no Ferrero e outro em mim.»
Delinquência organizada, não hesitaria David Toscana.
3 comentários:
Ainda estou a ganhar coragem para o ler (o 2666).
Mas talvez comece o Bolaño por um outro, como "Detectives selvagens". Assim, se não gostar, o arrependimento é "menor" :-)
Calma aí!, ler Bolaño não contempla a rubrica «arrependimento», ok?
oops! este teclado às vezes... ;-)
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