«Estava de pé, descalço na poeira, no calor e nas exalações do porto, debaixo do exíguo toldo de um cafezito onde alguns clientes, refastelados nas cadeiras, em vão esperavam proteger-se do sol. As suas velhas calças ruças mal lhe chegavam aos tornozelos, e aquele ossinho bicudo, a ponta do calcanhar, as compridas plantas dos pés, calosas e escoriadas, os dedos ágeis e tácteis pertenciam a essa raça de pés inteligentes, acostumados a todas as lides com o ar e o chão, endurecidos nas asperezas das pedras, que nos países mediterrânicos ainda deixam ao homem vestido um pouco do livre desafogo do homem nu. Pés ágeis, tão diferentes dos canhestros e pesados suportes encerrados nos sapatos do Norte… O azul desbotado da camisa condizia com os tons daquele céu esbatido pela luz do Verão; os ombros e as omoplatas rompiam pelos rasgões do pano como agrestes rochedos; as orelhas um tanto alongadas enquadravam-lhe obliquamente o crânio à maneira das asas de uma ânfora; viam-se ainda incontestáveis vestígios de beleza no seu rosto pálido e ausente, como estátua quebrada que aflorasse em solo ingrato.»
[Marguerite Yourcenar, A Salvação de Wang-Fô e outros contos orientais; trad. Gaëtan Martins de Oliveira, BIIS Outubro 2008;
acostumado a todas as lides]
2 comentários:
«Fotografia lindíssima»
Desculpa Cristina Torrão, mas não sei o que se passa com os comentários.
Até sei, mas não me apetece dizer ;)
Fiufiu....
O que eu dava para que a minha mão fosse segura, assim, por um gorila...
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