«Um cão ladrava algures muito longe. Foi então que o intérprete exibiu o seu único talento: sabia ladrar como um cão. Começou a ladrar com uma força desesperada. Quando parou puseram-se à escuta, e ouviram latidos de resposta. O intérprete ladrou outra vez. Avançaram devagar, parando frequentemente para ladrar e ouvirem o cão responder. Conseguiram assim orientar-se. Depois de meia hora de marcha em direcção a um cão de aldeia cujo ladrar se ouvia cada vez mais alto, encontraram finalmente abrigo para passar a noite.
Não se sabe o que aconteceu ao intérprete.
Nota: Será justo acrescentar que o diário de Gustave dá uma versão diferente da história? Concorda quanto ao estado do tempo; concorda com a data; concorda que o intérprete não sabia cozinhar (fazia sempre carneiro e ovos cozidos, o que levou Gustave a almoçar pão seco). No entanto, curiosamente, não menciona a leitura de Plutarco no campo de batalha. O cão do polícia (sem raça especificada na versão de Flaubert) não foi levado por uma corrente; afogou-se simplesmente na água profunda. Quanto ao intérprete que ladrava, Gustave limita-se a registar que quando ouviram o cão da aldeia à distância, mandou o polícia disparar a pistola para o ar. O cão ladrou em resposta; deste modo mais vulgar avançaram até ao abrigo.
Não se sabe o que aconteceu à verdade.»
[Julian Barnes, O Papagaio de Flaubert; trad. Ana Maria Amador, Quetzal, Julho 2010]
1 comentário:
Um livro delicioso e magnífico.
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