23 de novembro de 2012

Papiro do dia (278)

«Já não sabia em que ponto o ressentimento e o desejo de vingança se haviam transformado em espera. Tudo perdura no tempo, mas torna-se tão pálido como aquelas fotografias muito antigas que ainda foram fixadas em chapas metálicas. A luz e o tempo retiram das chapas as tonalidades nítidas e características dos traços. É preciso rodas a fotografia e encontrar uma certa refracção da luz para podermos reconhecer na obscura chapa metálica a pessoa cujas feições foram absorvidas pela placa. Deste modo se desvanecem no tempo todas as lembranças humanas. Mas um dia, a luz cai dum lado qualquer e tornamos a ver um rosto. O general guardava numa gaveta uma fotografia antiga semelhante. O retrato do seu pai. Nessa foto o pai vestia um uniforme de capitão da guarda. O cabelo era frisado, encaracolado, como o de uma rapariga. Dos ombros caía-lhe uma capa branca da guarda; segurava a capa no peito com a mão que ostentava um anel. Inclinava a cabeça para o lado, orgulhoso e com um ar ofendido. Nunca mencionou em que ocasião o ofenderam e porquê.»
[Sándor Márai, As velas ardem até ao fim; trad. Mária Magdolna Demeter, D. Quixote, Fevereiro 2012;
chapa]

Sem comentários: