12 de junho de 2013

Nem sempre a lápis (375)

Artesanato
(1966/70)
 
Nesse tempo os homens vinham com pistolas acesas nas mãos aos pontapés aos cegos que comiam peixe na tasca.
Ouvia-se o ponto muito repenicado dos que trabalhavam o primeiro dia na fábrica.
As borboletas e os periquitos preferiam a codorniz e a molécula.
Falava-se de peixe a cada esquina de peixe.
Os homens tinham violinos escondidos nas dobras das calças e outros andavam de bicicleta na avenida.
Os mosqueteiros cantavam a Marselhesa aqui e ali sem mais nada.
Os gatos surgiam de noite à janela a limpar bibelots.
Os meninos masturbados tinham as mãos cheias de calos e os olhos esbugalhados de surpresa.
Uma ou outra vez acontecia passar uma mulher bonita ou interessante e os homens assobiavam-lhe do café.
Os que tinham automóveis de corda lentamente os encordavam e ouviam o último LP dos Beatles.
O sr. Damião – estrábico – assomava à janela a sorrir à Toninha a olhar para a menina Elisa.
O ranho do bebé cristalizava no lábio e até fazia um vermelho bonito.
A menstruação era um mistério que causava asco.
Ah, nesse tempo tinha a mania que era bom e ia à missa de bicicleta com soquetes, ver as meninas.
 
[in, Alcateia; Hugin, Setembro 1999]

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