14 de janeiro de 2014

Nem sempre a lápis (478)

Memória descritiva
Oliveira
Afinal, nem sempre era da serra.
Conhecemo-nos no Jardim-Escola, quando as brechas abertas no tronco escaqueirado me ofereciam refúgio para o suplício do soletrar.
O meu corpo insinuava-se entre os veios da madeira acinzentada, e perscrutava um horizonte animado por chapéus de palha e bibes cor-de-rosa.
Eu cultivava o autismo, com a mesma indiferença que a oliveira ocupava o espaço, e era tida em linha de conta nas partilhas.
Geográficas e outras.
Aprendi a saborear-lhe o amargo das folhas, para disfarçar o hálito dos primeiros cigarros, e o ouro do azeite quente das tibornas.
Mais tarde, divaguei entre os olivais industriais de Jaén, Asilah e da Sardenha, acompanhado pela memória de pias e bilhas engorduradas.
E das mãos gretadas que catavam a azeitona entre a geada.
Talvez por isso, nada me convence da origem mediterrânica da oliveira.
Que deveria ser da serra, como garantia a canção.
[Longe do mundo; frenesi 2004] 

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