10 de julho de 2011

Papiro do dia (98)

«Fui para a estação de comboios. Havia uma placa sobre as duas bilheteiras. Dizia: “É muito mais barato ir de comboio!” Sobre um dos guichés estava escrito “Para o Pacífico”, sobre o outro “Para o Atlântico”.
Paguei um dólar e comprei o bilhete para Zacapa, que ficava a meio da linha do Atlântico. O comboio só partia às sete horas da manhã seguinte, de forma que fui para o meu último passeio. Levou-me à Zona Quatro e a uma igreja que eu sinceramente não esperava encontrar na Guatemala, ou neste hemisfério. Dizer que a Capela de Yurrita reproduz o estilo russo ortodoxo é não dizer nada, ainda que tenha cúpulas em forma de cebola e ícones. É um castelo maluco. Nas suas paredes de cimento tem pintados rectângulos cor-de-rosa que imitam tijolo, e na sua torre principal tem quatro gigantescos cones de gelado; debaixo da torre, há catorze pilares decorados com reclames de barbearia. Tem varandas, terraços, fileiras de botões de cimento no telhado casteleiro, quatro relógios atrasados, carrancas e um cão com o dobro do tamanho agarrado a um dos cones. Na fachada estão os quatro evangelistas e, a espreitar das janelas, os doze apóstolos, três Cristos e uma águia de duas cabeças. Era vermelha e negra, metal ferrugento e azulejos. As portas de carvalho são trabalhadas, a da esquerda mostra ruínas guatemaltecas, o da direita túmulos guatemaltecos. E sobre a porta lê-se num pergaminho: “Capela de Nossa Senhora das Angústias”, com uma dedicatória a Don Pedro de Alvarado y Mesia. No brasão de Don Pedro aparece um conquistador batendo um exército em retirada, e sob ele há três vulcões, um deles em erupção.
Lá dentro, três velhotas nos bancos da frente cantavam um hino de louvor a Maria. “Mariiiiiaaa”, cantavam elas, com paixão mas desafinadas, “Mariiiiiaaa”. Na parte de trás da igreja havia quatro índias e uma senhora com um cão. Esta gente devota estava subjugada – quem não estaria – pelo estilo mourisco da galeria do coro, pela ornamentação do altar, o vasto Cristo supino coberto por uma cortina de renda e assistido por uma Maria vestida de escuro, com sete punhais de prata cravados no peito. Todas as estátuas estavam vestidas, e muitos dos ramos de flores nos pesados jarrões dourados eram verdadeiros. As paredes estavam cobertas com frescos turvos e pedra trabalhada – árvores, velas, raios de sol, chamas. Próximo do púlpito, havia um baixo-relevo do Sermão da Montanha. Até o cão estava em silêncio. De alguma maneira, esta igreja de opulência maníaca tinha conseguido sobreviver a cem anos de terramotos.»

[Paul Theroux, O Velho Expresso da Patagónia; trad. Nuno Guerreiro, Quetzal, Abril 2009;

1 comentário:

voo da alma disse...

Geração após geração o brasão do Don Pedro Alvarado chegou a Portugal.
Um excelente legado.