6 de novembro de 2013

Papiro do dia (410)

«A cada passo se formam por aí grupos literários. Há-os em todas as gerações. Os rapazes sentiram sempre necessidade de comunicar e juntam-se conforme o caso, as afinidades ou as aspirações.
É um momento delicioso que nos deixa para sempre um nada de poeira no fundo da alma – algum pó dourado que teima em reluzir até ao fim da vida. Já o passado fica muito longe, já as figuras de apagadas mal se distinguem e ainda a poeira de sonho teima lá no fundo… E que essas horas são como a primeira flor das árvores: não há nada que as pague. Por melhores e mais conscientes amizades que mais tarde se adquiram, nenhuma chega à dos vinte anos, quando o homem não tem interesses a defender e os sentimentos estão em pleno viço. Não há um de nós que saiba ainda o que vale a existência e todos de mãos dadas olhamos com sofreguidão e candura. É o começo delicioso duma aventura. Estamos juntos e unidos como irmãos e já sentimos o travor da separação: só mais um passo e cada um parte para o seu lado, sem às vezes se tornar a ver.
Valia a pena determo-nos a olhar a vida, tingida de névoa azul como certas paisagens que só são belas de longe – a vida como nunca mais nos será dado vê-la –, mas quem é que nessa idade se detém?.»
[Raul Brandão, A morte do palhaço e O mistério da árvore; Biblioteca de Bolso, Junho 2003]


 

2 comentários:

alexandra g. disse...

:)

Obrigada, em nome de todolos putos verdadeiramente ditos que uma pessoa quer educar para a igualdade (pois que isto é de uma tamanha tristeza, tão sem nome).

F disse...

Muito poucos... Para não dizer ninguém.