14 de janeiro de 2014

Papiro do dia (428)

«O político e o polícia
Entre político e polícia a diferença é mínima, sobretudo se o político é o ministro da administração interna (ou o do interior, como se designava ainda há pouco tempo).
Entende-se que ministros e polícias devem ser urbanos e polidos. Tudo isto à volta de um conceito que durou milénios, contraditados hoje pelos factos, mas que não temos palavras para exprimir senão as muito velhas e altamente contestáveis. Isto é: que a civilização está na cidade e os rústicos não passam de uns bárbaros.
Polis, a cidade grega, vai degenerar em político, em polidez e também em polícia. A civitas romana será a cidade, o cidadão, a cidadania, a civilidade, os bons costumes de quem mora numa grande parvónia. E também a urbs, igualmente romana, determinará a urbanidade, que é uma maneira de ser civilizado ou polido, a urbanização de terrenos, por exemplo, tantas vezes ao acaso que exige a intervenção tanto da polícia como dos políticos.
Pelos campos, que o urbanismo vai invadindo, moram os rústicos, os bárbaros na expressão grega, que significava apenas os que não moravam na cidade. Para os romanos, quem não morava na Península Itálica, era um bárbaro e a palavra foi-se alongando. Mas igualmente os chineses, quando Fernão Mendes Pinto lá deu à costa, também entenderam que estavam em vias de facto com bárbaros e encontraram palavra equivalente.
Ao contrário do rústico, regido pelos costumes e pela autoridade patriarcal, os urbanos necessitaram de chefes e senhores para policiar a cidade. Na maioria dos casos com péssimos resultados. Começaram, na Anatólia, por arranjar um turannos, palavra indecisa que não quer dizer mais que governante. Mas para os subsequentes gregos, tyrano já significava um senhor absoluto, logo s seguir àquele que usurpava o poder.
Ou seja, um déspota, palavra que começa humildemente por significar aquele que tem um escravo, mais tarde, o dono da casa, o chefe de família até atingir as mesmas qualidades do tirano.
Um tirano, um déspota, acabam por exigir uma corte onde lhe façam salamaleques e lhes dêem noção da sua autêntica ou pretensa importância.
Com medo da polícia, ou por simples ambição na corte, até os mais rústicos (ver O Fidalgo Aprendiz) se podem tornar corteses e, como os verdadeiros cortesãos aprender a fazer cortesias.
Coisa que também se ensina, com certa facilidade, paciência e jeito, aos cavalos.»
[Roby Amorim, Elucidário de Conhecimentos (quase) inúteis; 2.ª ed. revista e ampliada. Edições Salamandra, Julho 1985;
errata da pág. 131, texto integral]

2 comentários:

Ana Cristina Leonardo disse...

tão bom, tão bom

samartaime disse...

Lá foi outro a aboar prós cem anos de perdão.