8 de novembro de 2011

Papiro do dia (146)

«Estha fora sempre uma criança calada, por isso ninguém sabia dizer com precisão a exacta altura (o ano, senão mesmo o mês ou o dia) em que ele deixara de falar. O facto é que não havia uma “altura exacta”. Como um negócio que vai abrandando, abrandando, até parar. Um emudecimento quase imperceptível. Como se tivesse simplesmente esgotado a conversa e não tivesse mais nada a dizer. Mas o silêncio de Estha nunca era incómodo. Nunca era intrometido. Nunca era barulhento. Era um silêncio acusador, de protesto, mas uma espécie de entorpecimento estival, uma dormência, o equivalente psicológico daquilo que os dipneus fazem para sobreviver na estação seca; excepto que, no caso de Estha, a estação seca parecia destinada a durar para sempre.
Com o tempo, foi adquirindo a capacidade de se fundir com o ambiente circundante – estantes, jardins, cortinados, vestíbulos, ruas –, de parecer inanimado e quase invisível a um olhar inexperiente. Habitualmente os estranhos demoravam a aperceber-se dele mesmo que estivessem no mesmo compartimento. Demoravam ainda mais a aperceber-se de que ele nunca falava. Alguns nunca chegavam a aperceber-se.
Estha ocupava muito pouco espaço no mundo.»
[Arundhati Roy, O Deus das Pequenas Coisas; trad. Teresa Cabral, BIIS, Setembro 2010;
mundo] 

3 comentários:

Claudia Sousa Dias disse...

Já li há muitos anos. Numa edição da ASA

F disse...

Não pude deixar de me lembrar disto:
http://www.youtube.com/watch?v=7Dnf1I3Twps&feature=related

fallorca disse...

Bem lembrado