«O episódio é conhecido: contou-o Platão. Tales de Mileto, absorvido pelas ideias, olhava para o céu quando caiu a um poço. Uma criada Trácia, muito simples, quase analfabeta, presenciou a cena e desatou às gargalhadas.
Para Tales, pessimista, o tempo só trazia atributos negativos: magreza à saúde, fraqueza à força.
Paixão significava desilusão; e é o entusiasmo da noite que, mais tarde, de manhã, nos ficará ficar sem forças – pensava Tales.
Recusou então Lianor; não por sobranceria, mas por prudência. As mulheres guardam no corpo a serpente, sempre pensara.
Desespero em Lianor, claro, como em qualquer mulher rejeitada.
Quis morrer: atirou-se ao mar.
Tales interrompeu a sua tarefa de olhar para o que não é possível ser olhado, ouvira os gritos dos habitantes de Mileto:
Lianor desaparecera nas águas!
Tales correu para a praia. Olhou para o fundo:
- Este mar matou – disse. – Está calmo demais.
Indisciplinado por natureza, depois deste acontecimento, Tales transformou-se. Levantava-se agora, todas as manhãs, a hora certa.
O que fazia?
Ele, o filósofo, o sábio, pegava no barco, que enchera de arroz na véspera, e entrava no mar. À medida que avançava ia atirando arroz à água, como se esta fosse um ser com fome.
- Se os peixes e a água comerem o arroz, os peixes e a água esquecerão a carne de Lianor.
Assim pensava Tales, o sábio.
Durante vinte e cinco anos ele manteve o mar alimentado com arroz.
Jurava, no entanto, não o fazer por amor; era orgulhoso. Dizia:
- Sou investigador. Quero estudar a água.»
3 comentários:
Esse conto foi publicado na extinta revista "Vida Mundial", em 1999.
http://novaziodaonda.wordpress.com/2010/01/14/a-biografia-de-lianor-de-mileto/
:)
«Histórias Falsas» também é verdade que, além de reunir/recolher textos publicados em revistas, saiu na extinta Campo das Letras.
Temo-lo agora em formato-crise; acho que nem chega a 5€ fnac
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