17 de dezembro de 2011

Nem sempre a lápis (243)

Sejamos francos: a preguiça impõe-se ao argumento de trabalhar de rabo-na-boca – lá vai dando para o arroz malandrinho – e ainda não dei uma arrumadela aos livros recuperados. Ultrapassada a descoberta do que saiu dos sacos sem passes de magia, exceptuando Sebald e Auster, as colecções da & etc. e da frenesi, agora é que não faço a menor ideia onde tenho nada. Foi assim que dei com o livro de Henry Miller (Jours tranquilles à Clichy), editado em 1967, comprado na Livraria Nazareth em Évora, com capa a arremedar Vasarely e cores Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Admito que pertencesse à sofreguidão livresca do meu primeiro cunhado e não duvido que se encontra em muito melhores mãos; o jeito conservador das minhas. Uma vez mais impelido pela leitura da entrevista de Hemingway à Paris Review, trouxe para o quarto O Velho e o Mar, edição Livros do Brasil ilustrada com desenhos de Bernardo Marques, prefácio e tradução de Jorge de Sena. Na penúltima das cento e trinta e seis páginas pode ler-se, sempre em caixa alta, «Os trabalhos gráficos deste livro foram executados na primeira quinzena do mês de Novembro de mil e novecentos e cinquenta e seis, nas oficinas de Livros do Brasil, Lda., rua Luz Soriano, quarenta e sete a cinquenta e sete, em Lisboa», o que duvido bastante. Não da localização das oficinas – conheci a rua de cor e paginado; hoje, leio-me por ela –, mas tenho dúvidas quanto ao ano a que se refere a quinzena mensal, porque na contracapa, impresso preto no branco, como suponho que manda a lei, lê-se ISBN 972-38-1075-1 por cima do código de barras 9 789723 810752. Nascido sete anos antes da edição, o meu álbum de memórias não conserva imagem de qualquer outro código, além das grades que esperavam quem o infringia. Mas há mais, embora o meu conhecimento da língua inglesa – lida, ouvida, falada – seja de se fugir, a verdade é que não acredito que Hemingway tenha escrito o primeiro período como Sena o pretende em português, com todo o respeito ortográfico pelos anos 50: «Era um velho que pescava sòzinho num esquife na Corrente do Golfo, e saíra havia já por oitenta e quatro dias sem apanhar um peixe.» Fiquemo-nos por aqui. É possível que o defeito se deva à minha formação francófona, condicionada pela idade em que se lia Henry Miller em francês, actualizada à força com a União Europeia, particularmente na sua inevitabilidade ibérica. Não sei. «Paris fechou», anunciava Cesariny há dezenas de anos; Barcelona está em saldo e a soldo desde as Olimpíadas, e eu faço um esforço olímpico para me segurar nas teclas, no meio disto tudo. Abandonado o tabaco, na realidade, sou um fumador de haxixe convicto, a milhas da curiosidade da juventude, a séculos do deslumbramento experimentalista de Walter Benjamin; imagino o incómodo dos discípulos caretas do filósofo.

4 comentários:

ZMB disse...

Uma perspectiva possível:
"Fumo ganza para passar o tempo. Tempos houve em que a fumava para experimentar. O importante não era passar o tempo, era usá-lo. Ao se usar o tempo, ele passava. O mais curioso é que o marquês imaginou tudo.",
Claudio Mur 2002, em revisão final para reedição futura online

Saudações

fallorca disse...

ZMB,
eu não fumo «ganzas». Fumo haxixe ou erva, como já fumei tabaco e bebi álcool.
O que se costuma chamar, «pedro-me socialmente».

ZMB disse...

Falamos da mesma coisa, eu chamo ganza áquilo que você chama haxixe ou erva, também incluo no termo o polen, o óleo.
é apenas a minha definição universal da pedra.
mas admito que quanto à palavra "ganzas" há muita desinformação, até política, e até muita estupidez, coisa de pais 'de bem' a condenar as práticas dos filhos e filhas dos vizinhos 'de mal'.

F disse...

Lol.