24 de setembro de 2013

Papiro do dia (436)

«Eu não estou louca, apenas velha. Afirmo-o para ganhar coragem. Para dar uma ideia do que coragem significa para mim, basta dizer que demorei duas semanas a obter este caderno e uma caneta. Encontro-me num campo de concentração para velhos, um lugar onde as pessoas despejam os pais ou os familiares como se fosse um balde para cinzas.
O meu irmão, John, trouxe-me para cá há duas semanas. É claro que eu soube desde o início que viver com ele nunca resultaria. Tive de fechar a minha própria casa depois do ataque cardíaco (as escadas eram excessivas para mim). O John é quatro anos mais velho do que eu e casou com uma mulher muito mais jovem depois de Elizabeth, a sua primeira mulher, ter morrido. A Ginny nunca gostou de mim. Faço-a sentir-se inferior e não consigo evitá-lo. O John tem hábitos de leitura, sempre teve. Como eu. o John interessa-se por política. Como eu. Ao que parece, os únicos interesses da Ginny são os mexericos maliciosos, o bridge, e experimentar receitas novas. Infelizmente não é uma cozinheira nata. Considero este parágrafo extremamente maçador e foi um esforço enorme escrevê-lo. Ninguém quer ocupar-se de coisas desagradáveis. Neste aspecto não estou sozinha.

Posfácio
Este manuscrito foi encontrado depois do fogo que destruiu a Casa de Repouso Dois Elmos. Numa carta encontrada dentro da capa, a Menina Caroline Spencer pedia ao reverendo Richard Thornhill que o publicasse, se possível. O que foi feito, com a permissão do seu irmão, John Spencer.»
[May Sarton, Prepara-te para a morte e segue-me; trad. Bárbara Smith, Cotovia, Março 1997;

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