14 de fevereiro de 2011

«É bom trabalhar nas Obras» (72)

«Querido Jórge, perdôame não terte escrito mas foi porque não tive tempo, porque houveram muitos problemas e não me deixam um minuto sozinha. Fica a saber que quando chegámos a minha tia contou tudo ao meu papá que saía contigo e nos abraçávamos e beijávamos no paredão e enfim sabesse lá que mais lhe dice.
Açim que a minha tia se foi embora o meu papá chamoume e diceme o quela tinha dito e eu dicelhe que não era verdade, que saíamos mas com as tuas irmãs. Bom, não julgues que sacreditou.
Jórge os dias parecême séculos sem verte, ando sempre a pensar em ti, à noite deitome a pensar em ti, cria terte sempre junto de mim, mas não vejo maneira como.
Jórge tem atensão nas aulas para ver sé possível vires a Jalapa, queu ir a Veracruz sei lá cuando será.
Bom querido Jórge, cumprimentos à Nena e à Marycarmen, à tua mamã e ao teu papá tão bem e muito especialmente ao Durán e à namorada dele.
Não me mandes cartas para esta direcção, se quiseres escrever falo para a posta-restante de correios Jalapa Veracruz em nome de LUISA BERROCAL, entregãma carta porque tenho uma credencial com ece nome.
Bom, a Deus Jórge, recebe muitos beijos da que te quere e não consegue esquecer Ana Luisa.
Uma vez copiada a carta à letra (Ana Luisa falava bem, porque será que escreve desta forma? Deve ser porque não lê), vou fazer aqui mesmo o rascunho da minha resposta:
Meu amor (Não.) Querida Ana Luisa (Também não: soa indiferente.) Queridíssima e inesquecível Ana Luisa (Nunca: saiu piroso.) Minha querida (Melhor:) Minha muito querida Ana Luisa (Assim está bem, creio eu):
Não podes imaginar a enorme alegria que a tua carta me deu, a carta mais esperada do mundo. (Soa mal, mas enfim.) Também não imaginas a falta que me fazes e a necessidade que tenho de te ver. Agora sei, mesmo a sério, que te amo e que estou apaixonado por ti. No entanto, devo dizer-te com toda a sinceridade que há três coisas estranhas na tua carta:
Primeira. Julgava que a senhora com quem vives era a tua mamã, e afinal é tua tia. (Aliás, nunca me disseste que o teu papá estava em Jalapa. Tive sempre receio que nos apanhasse quando eu te deixava na esquina da tua casa.)
Segunda. Porque é que não podes regressar? Porque tens de estar sempre a ir a Jalapa? Tudo isto preocupa-me muito. Peço-te que me esclareças as dúvidas.
Terceira. Envio esta carta para a posta-restante dos correios e dirigida da forma que me indicas; mas não entendo porque é que tens uma credencial com um nome que não é o teu. Vais explicar-me isto a sério?
Não te conto nada como as coisas correm por cá porque é tudo horrível sem ti. Volta depressa. Preciso de ti. Adoro-te. Mando-te muitos beijos com o meu mais sincero amor:
Jorge
Bom, o princípio e o fim são bastante parecidos com as cartas que o Gabriel manda à Maricarmen. (As que li sem ela saber.) Mas creio que no conjunto, é mais ou menos aceitável. Vou passá-la a limpo e dá-la ao Durán para amanhã a pôr no correio.»
[José Emilio Pacheco, O princípio do prazer; em tradução para a Colecção Ovelha Negra / Oficina do Livro;

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