Entre nós, profissionais da tradução, é do conhecimento geral a estratégia praticada (não sei se ainda em vigor) por uma editora; publicava um anúncio à procura tradutores, esquartejava o livro para o distribuir pelos candidatos sob a forma de teste e, posteriormente, enviava-lhes uma circular a agradecer e a manifestar o apreço pelo trabalho e a intenção de os contactar muito em breve. Recolhido o patchwork, uma revisão conivente e para isso remunerada, tornava o livro publicável com os custos de tradução reduzidos ao anúncio e à perversa circular.
Não tenho por hábito guardar e-mails nem vocação para alimentar, no papel ou na bloga, Piratarias seguido de Corrida de Pernas de Pau. A duração da resposta às dúvidas colocadas aos autores termina após a revisão – é a minha providência cautelar, ainda não utilizada, a verificar-se incompreensão do revisor –, sucedendo o mesmo com as contas até à liquidação do trabalho por mim prestado.
Sei que em meados de Dezembro enviei um CV às Edições Ahab, como o faço em relação a outras, a manifestar disponibilidade de colaboração, se o interesse e a ocasião se proporcionassem. Além de ter sido bem recebido, as Edições Ahab comunicaram-me que aguardavam a concretização da compra dos direitos de um autor sul-americano, caro a Enrique Vila-Matas, até ao dia 10 de Janeiro do ano em curso, e se estaria disponível para o traduzir. Recorri ao número de telemóvel e ao nome do senhor Tiago, visíveis no e-mail, para dizer que estava, sem esconder a curiosidade por saber qual era o autor e se o meu pressentimento batia certo; Julio Ramón Ribeyro, Prosas Apátridas. Confirmámos que se tratava da versão completa, continuados os textos das edições de 1975 (até à pág. 76) pelos da página 79 até à 140, com que termina a edição da Seix Barral Biblioteca Breve, Janeiro de 2007. Confirmámos termos também o livro Cuentos, não recordo se na minha 2.ª edição de 2008, organizada por María Teresa Pérez para Catedra Letras Hispânicas, com introdução dividida em nove subtítulos ilustrados, nota de edição e bibliografia.
Como tantos outros autores, Ribeyro foi-me apresentado por Vila-Matas, enquanto traduzia Paris Nunca Se Acaba. Adquiri o livro e não resisti à tentação de ir traduzindo textos ao sabor do prazer da leitura, nove ao todo e nem todos completos, além da epígrafe de Tagore e a Nota do Autor. Textos que foram publicados aqui e aqui e aqui e aqui e aqui e aqui e enviados ao senhor Tiago; que os aceitou e nunca mais os referiu, sem tugir nem mugir, como sói dizer-se.
Mais uma ou duas trocas de e-mails e, como tínhamos acordado, recebi o prefácio de Vila-Matas para a edição castelhana de Contos Carnívoros (Bernard Quiriny), entregue poucos minutos depois das 15:49 de 20 de Janeiro, data e hora do documento em arquivo. Quanto ao livro de Ribeyro, ainda não haveria resposta dos herdeiros, surpreendendo-me que O Café dos Loucos o anunciasse como dado adquirido, quatro dias depois do envio de Um catálogo de ausentes; o prefácio de Vila-Matas.
As Edições Ahab agradeceram a prontidão e aceitaram a minha proposta – reciprocamente vantajosa, na minha sincera opinião – de liquidar 65,54 € brutos, em livros. Quanto a Prosas Apátridas, ainda não havia resposta nem foram aludidos os textos por mim enviados.
Na sexta-feira estranhei o silêncio, e como não gosto de alimentar equívocos e saber com o que conto, telefonei ao senhor Tiago. Não atendeu, não insisti; recebi por volta das 21 horas uma sms em que reconhecia estar em falta comigo e a explicar que não atendera por estar no tribunal, e que hoje (sábado) me ligaria; como o fez por volta do meio-dia, para acabar por dizer que a tradução de Prosas Apátridas – que ele, senhor Tiago, teria feito durante o Verão – fora atribuída a um tradutor ou tradutora; há quanto tempo, não disse nem perguntei, optando por lhe pedir licença para desligar o telemóvel.
Não percam Prosas Apátridas, é um livro magnífico; quanto a mim, não quero perder a oportunidade de ler a Nota do Autor, os textos 1, 2, 5, 16, 57, 59, 60, 68, 143 e o primeiro período do número 3.
Como disse, é raro guardar e-mails; mas não consigo evitar a frase de Vila-Matas (História Abreviada da Literatura Portátil) para se referir aos que «tornaram possível que hoje se possa desmascarar com mais facilidade aqueles que, como disse Hermann Broch, “não é que sejam maus escritores [editores], mas sim delinquentes”».
Postas as coisas nestes termos, as Edições Ahab devem-me apenas UM exemplar de Contos Carnívoros; mas, se assim o entenderem, podem esquartejar o livro e mandar só o prefácio, por mim traduzido.
Quanto ao e-mail que recebi das Edições Ahab, após ter pedido licença para desligar o telemóvel, e a minha resposta, vou guardá-los para memória (privada) futura; aprendi.
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