«A indústria livreira não só produz o seu dogma como também se certifica de que haverá pouco lugar fora dele. As cadeias de livrarias vendem o espaço nas montras e nas mesas ao maior licitador e, por isso, o que o publico vê é aquilo por que o editor pagou. Em consequência, a maior parte do espaço disponível nas livrarias é ocupado por pilhas de best-sellers anunciados como tal à partida, todos eles com um “prazo de validade” implícito, como os ovos, que assegura uma produção contínua. Os suplementos sobre livros, forçados por uma política jornalística geral de se dirigirem a leitores pouco exigentes, concedem cada vez mais espaço a estes mesmos livros “fast-food”, criando assim a impressão de que os livros “fast-food” são tão dignos como qualquer clássico antiquado ou de que os leitores não são suficientemente inteligentes para tirarem partido da “boa” literatura. Este último aspecto é fulcral: a indústria tem de nos educar na estupidez, pois nós não somos naturalmente estúpidos.
Esta literatura existe em todos os géneros, da ficção sentimental ao thriller sangrento, da narrativa histórica à verborreia mística, das confissões reais ao drama realista. Confina firmemente a literatura “vendável” ao reino da diversão, do relaxamento, do passatempo e, portanto, àquilo que é socialmente supérfluo e completamente não essencial. Infantiliza tanto escritores como leitores, levando os primeiros a acreditar que as suas criações têm de ser polidas até à forma final por alguém mais sabedor e convencendo os segundos de que não são suficientemente inteligentes para lerem narrativas mais complexas. Na indústria livreira actual, quanto maior for o público-alvo, mais obedientemente se espera que o escritor siga as instruções de editores e livreiros (e, ultimamente, também de agentes literários), permitindo-lhes decidir não apenas alterações textuais práticas de factos e gramática, mas também intriga, personagens, contexto e título.»
[Alberto Manguel, A Cidade das Palavras; trad. Maria de Fátima Carmo, Gradiva, Junho 2011;
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