«Implantado em todas as editoras de língua inglesa desde o início do século XX, e não muito comum noutras línguas (embora o sistema esteja a alastrar devido à influência do mercado inglês em todo o mundo), o processo industrial de edição assenta em várias falácias denunciadas na argumentação de [Axel] Honneth. Entre elas, a mais perigosa pressupõe que um texto literário é “aperfeiçoável”: ou seja, que a escrita deve aspirar a uma espécie de arquétipo platónico, um modelo ideal de texto literário. Segue-se que este ideal se pode alcançar com a ajuda de um especialista, um editor a agir na qualidade de afinador ou mecânico que consegue “aperfeiçoar” o texto graças às suas capacidades profissionais de leitura. Uma criação literária, por conseguinte, não é considerada um “trabalho em curso” intrínseco, nunca fechado, nunca definitivo, fixado no momento da publicação (“Publica-se para parar de rever”, escreveu o autor mexicano Alfonso Reyes), mas como um produto mais ou menos completo, iniciado pelo escritor, aperfeiçoado por um editor e aprovado por vários especialistas em marketing e vendas. Numa recensão de Filhos e Amantes, de D. H. Lawrence, Anthony Burgess queixou-se desse procedimento editorial: “Penso que a tradição anglo-americana de edição precisa, neste momento, de ser chamada à pedra. O editor a quem falta o dom criativo mas é compensado com o gosto artístico tem sido demasiado louvado. Alguns de nós gostaríamos de saber o que Thomas Wolfe escreveu antes de Maxwell Perkins lhe ter deitado a mão ou como era o Catch-22 antes de a finura editorial do antigo editor de The New Yorker o ter lambido até à sua forma final. Não há editores a corrigir partes orquestrais nem pinturas paisagísticas – porque terá o romancista de ser destacado como o único artista que não compreende a sua arte?»
[Alberto Manguel, A Cidade das Palavras; trad. Maria de Fátima Carmo, Gradiva, Junho 2011]
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