«Dadas as suas capacidades intelectuais – a sua cultura flexível contrastava com o monopólio de certas ideias que dominavam a maior parte das cabeças dos que agora eram os seus pares –, Lenz Buchmann rapidamente subiu no Partido. Lenz Buchmann, assim, sempre: o apelido tornara-se uma exigência do primeiro nome; o vocábulo Lenz ganhara apetite – espectador que quer ter alguém na cadeira ao lado, para assim olhar, acompanhando, o mundo. Posto de vigia, esse, que ganhara uma nova importância com a associação do apelido.
Lenz aprendia então com velocidade novos conteúdos. Não a nova matemática ou a nova física, mas a velha ciência de ligação e separação dos homens. Alianças e declarações de guerra eram amputadas, é certo, da sua virilidade final mas permaneciam, na sua essência, em todas as relações humanas dentro do Partido. Habituado a lidar sozinho com as circunstâncias da vingança de células particulares em relação a um corpo, Lenz estava agora “com mais gente ao lado”. A sua equipa médica nas operações mais complicadas nunca ultrapassara as sete pessoas, e agora ele via-se envolvido em reuniões em que as suas declarações eram escutadas por dezenas de colegas de Partido.
Este sentimento de comunidade era uma das invenções deste novo tempo em que Lenz entrara. Não tinham sido discutidos pressupostos, ou seja, homens vindos de sangues completamente distintos, de famílias que nunca se haviam cruzado na cama ou nos grandes pactos de rendição ou de declaração de vitória, estavam agora, lado a lado, parecendo, afinal, ter combatido durante séculos o mesmo exército.
Essa ilusão – que o era – não cegava Lenz.»
[Gonçalo M. Tavares, Aprender a rezar na Era da Técnica; Caminho, Outubro 2007;
2 comentários:
O homem é médico, cirurgião?
Cruzes canhoto...
Lenz Buchmann? Claro, e um grande cirurgião, pelo que se lê
Enviar um comentário