12 de abril de 2012

Papiro do dia (207)

«Este livro trará pouca alegria ao leitor. Não o poderá consolar nem reconfortar, como muitas vezes os livros tristes sabem fazer, pois é opinião corrente que o sofrimento se reveste de força moral, na condição de ser condignamente suportado. Tenho ouvido dizer que mesmo a morte pode ser edificante, mas confesso que não acredito, pois como seria possível ignorar a sua força implacável? A morte é demasiado incompreensível, excessivamente desumana, e só perde a sua violência quando nela reconhecemos o único caminho sem retorno que nos é concedido para escapar aos nossos falsos caminhos.
É de falsos caminhos que este livro trata, e o seu tema é a desesperança. E se um escritor tem por intenção única despertar a identificação do leitor, justamente esse intuito não poderá aqui ser alcançado, pois só podemos contar com a compaixão e o entendimento dos outros se os nossos fracassos puderem ser explicados, se as nossas derrotas tiverem sido lutadas com coragem até ao fim e se o nosso sofrimento for a consequência inevitável destas duas causas razoáveis.
É um pouco esse o caso da rapariga que escreveu estas notas. Quando tinha já o manuscrito acabado na mão, percebi que teria de construir uma história dos seus antecedentes que fosse clara e acessível a todos. Só assim poderia satisfazer o leitor e oferecer ao editor um livro com préstimo. Mas isso eu não podia fazer sem falsear a verdade, seria uma concessão ilegítima às nossas necessidades espirituais e morais.»
[Annemarie Schwarzenbach, Morte na Pérsia; trad. Isabel Castro Silva, Tinta-da-China, Junho 2008;
desculpem a insistência]