«Gerês, 9 de Agosto de 1949 - Quanto mais percorro o país, mais me convenço de que ainda são os poetas que melhor sabem exprimir a nossa realidade telúrica e humana. Os mais belos quadros que possuímos da vida portuguesa, surpreendida nos seus vários aspectos, são trechos de poesia. Meia dúzia de Cantigas de Amigo, pedaços do Cancioneiro Geral, composições de Camões, Diogo Bernardes, Cesário, António Nobre e Junqueiro, são documentos que deixam a perder de vista os poucos prosadores que tentaram a pintura de costumes. Julgo até que será por essa razão, por haver na maioria dos poetas lusos uma sintonização tão perfeita com o foro íntimo dos leitores, que a poesia é ainda tão estimada entre nós. Na verdade, ninguém de boa-fé pode encontrar em Júlio Dinis ou em Eça uma autêntica aldeia ou faina portuguesas. A gente lê, e tudo aquilo é convencional como os postais de Natal que os nossos correios editam. Mas ao ouvir A Moleirinha, O Sentimento dum Ocidental, a Lusitânia no Bairro Latino, algumas estâncias de Os Lusíadas, ou mesmo certos poemas de Pessoa, eis-nos a reviver emoções que trazemos no sangue e no coração.
Diz-se com frequência que somos um povo de poetas. Somos. Porque assim o determinaram razões obscuras de sensibilidade, ou porque um treino literário amadurecido em formas cada vez mais puras nos conduz de preferência para esse caminho, o certo é que só nos versos encontramos a voz condigna da literatura. Por isso, e compreende-se que assim seja, quem nos visita procura-nos sobretudo no Parnaso. É aí que mora a universalidade do nosso génio, justamente por ser a decantação do que temos colectivamente de mais específico e genuíno.»
[Miguel Torga; Diário V (3.ª ed. revista), Coimbra 1974]
2 comentários:
Ando a reler o "Geografia Sentimental" do Aquilino, um belo livro. Outro muito bom é o "Os Pescadores" do Raul Brandão. Também reli há pouco o "Bichos", primeiro livro que comprei na minha vida.
É bom ler-se em Português
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