«Outras das ideias dominantes na minha família era a de nos proporcionar uma educação sexual livre de tabus e repressões de qualquer índole. Esta era levada a cabo através de um diálogo aberto e, em certas ocasiões, excessivamente franco sobre o tema, mas também por meio de contos alegóricos. Durante muitas noites – embora também pudesse ocorrer a meio da tarde, se o considerava oportuno – a minha mãe contava uma história da sua própria e surpreendente inspiração, esclarecendo, isso sim, que se tratava de um conto fictício com intenções educativas. Recordo, por exemplo, a sua versão muito peculiar de «A bela adormecida», mais ou menos assim:
Uma tarde fria, de Inverno, a rainha chamou alarmada o médico da corte para que lhe explicasse por que é que havia mais de dois meses que não menstruava. O médico, espantado com a ingenuidade da sua soberana, respondeu-lhe: «Sua majestade deveria saber nesta altura que se uma mulher – nobre ou plebeia – não sangra durante mais de trinta dias seguidos, o mais provável é que se encontre grávida.» Essa tarde, o rei e a rainha anunciaram a notícia aos súbditos: muito em breve iria haver um herdeiro ao trono. E foi assim que, em menos de nove meses, nasceu uma bela princesinha a que chamaram Aurora.
O que sucedia depois: a roca envenenada, o sonho da princesa e tudo o resto, deixava de ter importância, depois de um início como este. No entanto, o conto não explicava de todo o assunto. Passado pouco tempo, essa informação começou a tornar-se-me incompleta e, ao mesmo tempo, inquietante. Qual era exactamente a natureza da regra? Porque razão podia uma rainha ficar grávida? Que relação tinha o sangue com o fabrico de um bebé? A história não esclarecia tudo isso. Os meus pais não queriam mentir-nos a esse respeito, mas tão-pouco lhes era fácil lutar, como pretendiam, contra a tradição de mistério em que eles próprios tinham sido educados. Para facilitarem a tarefa, ofereceram-nos uma série de livros que explicavam a anatomia detalhada dos homens e das mulheres, assim como as relações sexuais e a sua consequência. No entanto, antes que tivesse tempo para assimilar o tema da reprodução, os meus pais apressaram-se a explicar-nos que o uso dos genitais não estava unicamente destinado a esse fim, mas também a outros, recreativos como o sexo. Embora os filhos sejam produto do coito, o objectivo de um encontro como esse não era o de gerar novas vidas, pelo menos na maioria dos casos.
Em vez de adquirirem claridade, as coisas tornavam-se cada vez mais confusas e desesperantes.
- Então – perguntava eu a caminho da escola, no assento de trás do carro, a tentar recapitular –, para que é que as pessoas têm relações sexuais?
- Para sentir prazer – respondiam em uníssono os dois adultos sentados na parte da frente.»
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