«No portal há uma dupla águia, que tem entre as garras a cabeça de um turco, e a pedra tumular de um chefe cigano. A grosseira pedra bárbara desta igreja presta justiça à altiva realeza nómada de um povo obscuro e desprezado, ausente da nossa consciência como da memória histórica em geral.
A grande poesia encontra-se muitas vezes impregnada por esta consciência da história natural do Homem: Lucrécio, Leopardi, os poetas líricos chineses que inserem o indivíduo, e a sua melancolia por causa de um amigo longínquo, na história milenar da paisagem na qual ele respira, no pano de fundo das montanhas e do lago. Também as grandes religiões levam em conta a matéria de que somos entretecidos; aquilo que as distingue das religiões postiças e supersticiosas, dizia Charleston, é o seu materialismo de boa cepa.»
[Claudio Magris, Danúbio; trad. Miguel Serras Pereira, Quetzal, Março 2010]
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