1 de fevereiro de 2012

Papiro do dia (181)

«É reconfortante que a viagem tenha uma arquitectura e que seja possível contribuir com algumas pedras para esta última, embora o viajante pareça não ser tanto alguém que constrói paisagens – tarefa do sedentário – como alguém que as desmonta e desfaz, à semelhança do barão von R. descrito por Hoffmann, que corria mundo coleccionando panoramas e, quando considerava necessário gozar ou criar uma bela perspectiva, mandava cortar árvores, desbastar ramos, aplainar as irregularidades do solo, abater florestas inteiras ou demolir fábricas que tolhessem o olhar. Mas também a destruição é uma arquitectura, uma desconstrução que segue regras e cálculos, uma arte de decompor e recompor, ou seja, de criar uma outra ordem: quando um muro de folhagens caía de súbito, abrindo a imagem das ruínas de um castelo longínquo na luz do crepúsculo, o barão von R. detinha-se alguns minutos a contemplar o espectáculo que ele próprio encenara e depois voltava a partir à pressa, para não mais ali regressar.»
[Claudio Magris, Danúbio; trad. Miguel Serras Pereira, Quetzal, Março 2010;
abate]

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