«Entre as muralhas deste castelo nas margens do Danúbio um outro actor de primeiro plano do sangrento teatro do século, Céline, viveu, sofreu e recitou o desenraizamento e o pesadelo da guerra total.
Há uma rapariga que serve de cicerone aos visitantes do castelo. Com uma cantilena mecânica desbobina e ilustra a História e a Arte, tapeçarias do século XVII, os canhões oferecidos por Napoleão II. Quando lhe pergunto onde estava instalado o marechal Pétain, encolhe os ombros, perplexa, com o ar de quem ouve tal nome pela primeira vez: pouco depois, indicando algumas salas, diz-nos que eram os aposentos de Laval. As palavras “Vichy” e “Laval” soltam-lhe a memória e fazem-na desfiar datas e dados, mas nunca ouviu o nome de Pétain.
Este saber intermitente da guia turística desprevenida teria agradado a Céline, o qual descobriria nele a tragicómica esquizofrenia da História que ele próprio vivera justamente em Sigmaringen, onde chegara no rasto do Governo de Vichy em plena catástrofe. No D’un Château l’autre, que encurta e dilata a estada em Sigmaringen, Céline escreve: “se balbucio disparates, pareço-me, no fundo, com numerosas guias”; o seu livro é com efeito de algum modo um baedeker, um compêndio de História ou, para Céline, do seu delírio desenfreado. Ele próprio, em Nord, profetizava que dentro de dez anos já ninguém saberia quem era Pétain ou confundiria o seu nome com o de uma mercearia.»
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