«Ninguém estava à altura de receber-me, nenhuma relação era exacta para me tornar equilibrada, ou útil. No quarto das sombras a luz entrava a jorros por duas grandes janelas da sacada mas eu habitava, não ultrapassava o limiar do corredor que possuía uma passadeira de oleado negro e brilhante porque, diziam, havia um fantasma acocorado à entrada e que, afinal, nada mais era do que, a certas horas do dia, o volume rutilante do sol no oleado. Descobri que se, em vez de me concentrar na sombra do corredor, me deitasse de costas a olhar a mancha rutilante, o meu olhar poderia realizar o caminho inverso da luz e pousar no ramo mais alto da árvore e aprender com esta a produzir clorofila – a matéria do poema.
Essa postura, no entanto, tornou-me malcriada. Eu deveria crescer na direcção do corredor, e estava crescer na direcção da árvore. Estive quase a dar ouvidos a essa voz humana que insistia que eu estava a crescer mal. E, de facto, era uma postura estranha. O meu corpo permanecia deitado,
no chão do quarto,
enquanto o meu olhar aprendia a fazer poemas. Com o tempo, como seria aquele corpo, separado da poesia, ou com esta apenas a botar do seu olhar? Tanto mais que, lá do alto, o poema via tudo de cima e quase nada via do que se passava em baixo, à volta do seu corpo, não sentia a dor que este sentia,
a sua falta de espaço e de movimento,
a pressão exterior que o impelia a entrar no corredor e a ser menina,
escrevia apenas que esse mal era uma metáfora.»
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