Talvez por ter ido ao Sul e ter feito praia, quando aproveito o ir descafezar para uma pausa no trabalho, a instabilidade do tempo passou a remeter-me para os tranquilos meses que convalesci em Mortágua; sem piedade. Por muito que pretendesse, ao fim do dia não existe comparação possível entre a esplanada que frequento e a fila de mesas ao longo do passeio estreito servidas pelo «café ao lado da Câmara», questão de escala; entre o silêncio dos repuxos e a barulheira causada pelos skaters, pela mesa a transbordar de portáteis, telemóveis e outros electrodomésticos que me excedem, mas alguma utilidade terão a avaliar pela euforia e destreza da miudagem. Como se olhasse em frente, também não é comparável a atitude apeada dos pais junto do que suponho ser um equipamento para «os tempos livres» – perversa designação para os ocupar –, com a atitude acelerada dos que via ir buscar os filhos ao Jardim-escola João de Deus; entre o cheiro mecânico da relva aparada e a intensidade da forragem segada. No entanto, persiste nesta mesma sensação de quietude, de tempo suspenso gravado pelos pássaros nas árvores próximas; nesta mesma «luz verde» (John Berger), onde repouso o olhar para me arrumar; nesta liberdade de me confundir com o mobiliário suburbano.
Traduzir – ler, não – Felisberto Hernández é muito pesado. Não há cá betoneiras nem cofragens; são baldes e baldes de cimento carregados à mão, dado à talocha. Assim se compreende que os edifícios esquecidos no tumulto dos arranha-céus, perdurem intemporais no seu tempo.
1 comentário:
Também gosto muito de ler Berger :-)
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