27 de maio de 2010

Nem sempre a lápis (36)

À medida que envelheço, verifico como é triste ser-se velho e, ainda por cima, chanfrado; não bater bem da bola, de tanto a ver. Quando não anda numa azáfama de esfregão e pulverizador em riste, já me entornou uma bica em cima, especa-se em frente da mesa, onde procuro isolar-me de costas para a parede, e começa a debitar um discurso convulso, atropelado por conclusões e indiscutíveis previsões, sobre o esférico e os seus feitos. Quem nos vir, dirá que simpatiza comigo, que seremos rapazes da mesma criação. Habituaram-no e habituou-se a ninguém lhe prestar atenção, com a cabeça colada no plasma ou refugiada na publicação da especialidade. Custa-me alhear-me, evitar-lhe o olhar, não lhe passar cartão, dói-me o esgar de superioridade que me imagino esforçado no rosto e envergonha, mas não posso estar sempre a fazer de assistente social. Preferia mil vezes outro momento para testar a resistência do bloco Lusalite 22091-2-3 que me ofereceram; mas, bem vistas as coisas, o importante foi quebrar-lhe o silêncio com que se passeava no bolso da camisa.
As pessoas oferecem-me coisas, é verdade; que dívidas andarei a contrair, sem o saber?

3 comentários:

hmbf disse...

Este post é fodido, deixou-me a pensar. Se penso muito, ainda queimo o fusível que resta. Olha, vou mas é fumá-la.

Cristina Gomes da Silva disse...

Muito bonito! A vida será talvez isso, vários encontros entre solidões. Boa viagem

fallorca disse...

hmbf - Ai é fodido porque te põe a pensar; está bem.

Cristina GS - Obrigado, mas para iniciar a viagem, 1º vou almoçar uma cabeçorra de pescada cozida à Palmeira, recomendada e acompanhada pela Luísa; para acalmar o repasto, ocupação musical e tal do bar do Miguel Martins. Apareça