«Céline fala do lugar inferior e fervilhante do sofrimento feio e imediato, grita com a voz destroçada das criaturas maculadas; reitera a inaceitabilidade e a insensatez do mal. O seu absoluto torna-se distorção e ele acaba por pôr no mesmo plano todos os actores de alguma maneira relevantes da História, Hitler e Léon Blum, na medida em que todos lhe surgem como igual expressão da vontade de poder, beneficiários do favor das massas e por isso detentores da força. Como um messias dorido e culpado, identifica-se com os algozes nazis, porque os vê na derrota.
No Carnaval fétido e sangrento de Sigmaringen tudo se lhe afigura insensato e intercambiável: o impotente Pétain, o louco Corpechot que se proclama almirante do Danúbio, Laval que, no colapso, nomeia Céline governador das ilhas de Saint-Pierre e Miquelon, os colaboracionistas franceses, as bombas americanas e os Läger nazis confundem-se num único e atroz sabat. Céline vive na pele esta desconexão, este “fio da História que me atravessa de ponta a ponta e de alto a baixo, das nuvens até à minha cabeça e ao olho do cu.”»
[Claudio Magris, Danúbio; trad. Miguel Serras Pereira, Quetzal, Março 2010;
Philippe Wojazer Reuters (arquivo)]
2 comentários:
A ilustração é tão adequada...*
Governo de Vichy, mercearia Pétain ;)
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