«Uma história sobre mim e o meu irmão. Quando éramos pequenos, ele punha-me no meu triciclo, vendava-me os olhos e empurrava-me a grande velocidade contra o muro. Foi-me contada pela minha sobrinha C., que a ouviu contar ao pai. Eu não tenho a mais leve recordação e não sei que conclusão tirar. Mas deixem-me que vos dissuada de o fazer. Parece-me ser o tipo de jogo que eu apreciaria. Posso imaginar o meu grito de prazer, quando a roda da frente batia na parede. Se calhar, até sugeri o jogo ou implorei que o repetíssemos.
Perguntei ao meu irmão o que é que achava sobre os nossos pais, como eram e como descreveria a relação entre eles. Nunca lhe perguntara tais coisas e a sua reacção é bem característica: “Como eram? Não tenho uma ideia definida: quando eu era pequeno, essas questões não se punham e depois já era tarde.” Mas aceita a tarefa: acha que eram bons pais, “razoavelmente nossos amigos”, tolerantes e generosos; “moralmente muito convencionais – ou melhor, típicos da sua classe social e do seu tempo”. E continua: “Suponho que o seu traço mais extraordinário – embora na época nada extraordinário – era a total ou quase total ausência de emoção. Não me lembro de nenhum deles se zangar a sério, de ficar assustado ou louco de alegria. Tenho a ideia de que o sentimento mais forte a que a mãe alguma vez se entregou foi uma grande irritação, enquanto o pai era sem dúvida especialista em tédio.”
Se nos pedissem uma lista das coisas que os nossos pais nos ensinaram, eu e o meu irmão ficávamos às aranhas.»
3 comentários:
Gosto de ler coisas destas. Principalmente, da última frase.
Tenho aqui um Julian Barnes, mas, primeiro, vou ao Marmelo da "Mentira mil vezes repetida".
Afifa-lhe e qual Julian Barnes, título?
O Sentido do Fim
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