«De nada te servem os bons velhos tempos. Sempre que te dá para a nostalgia, para chorar a perda das coisas que pareciam fazer a vida melhor então do que é agora, mandas-me parar e pensar melhor, olhar para o Então com o mesmo rigor com que olhas para o Agora, e depressa chegas à conclusão de que existe pouca diferença entre eles, de que o Então e o Agora são essencialmente o mesmo.
Ainda, assim, há coisas dos velhos tempos das quais tens saudades, ainda que não desejes que esses tempos voltem. Do toque dos telefones antigos, do matraquear das máquinas de escrever, do leite em garrafas, do basebol sem batedores previamente escolhidos, dos discos de vinil, das galochas, das meias de vidro com cinto de ligas, dos filmes a preto e branco, dos campeões de pesos pesados, dos Brooklyn Dodgers e dos New York Giants, dos livros de bolso a trinta e cinco cêntimos, da esquerda política, dos restaurantes judaicos de lacticínios, das sessões duplas nos cinemas, do basquetebol antes do cesto de três pontos, dos cinemas sumptuosos, das câmaras não digitais, das torradeiras que duravam trinta anos, do desprezo pela autoridade, dos Nash Ramblers, e das carrinhas com painéis de madeira. Mas não há nada de que tenha mais saudades do que do mundo como ele era antes da proibição de fumar em locais públicos. Desde o teu primeiro cigarro, aos dezasseis anos (em Washington com os teus amigos, para assistir ao funeral de Kennedy), até ao fim do milénio passado, foste livre – com poucas exceções – de fumar onde muito bem te apetecesse. Para começar, em restaurantes e bares, mas também na sala de aula da faculdade, na geral dos cinemas, nas livrarias e lojas de discos, nas salas de espera dos consultórios médicos, táxis, nos recintos e pavilhões desportivos, nos elevadores, nos quartos dos hotéis, nos comboios, nos autocarros de longo curso, nos aeroportos e aviões, a nos autocarros que, nos aeroportos, te levavam para os aviões. É provável que o mundo esteja agora melhor com as suas agressivas leis antitabaco, mas também se perdeu alguma coisa, e, seja qual for essa coisa (uma sensação de bem-estar? tolerância pela fraqueza humana? sociabilidade? ausência de angústia puritana?), tens saudades dela.»
[Paul Auster, Diário de Inverno; trad. Francisco Agarez, ASA 2012;
Sem comentários:
Enviar um comentário