25 de setembro de 2012

Papiro do dia (262)


 
«Desde que os bois tinham começado a ser abatidos, e a carne a ser cozinhada segundo as regras da sua divisão, da sequência do seu consumo e do acesso estatutário às partes, o chão tremia com as danças que muitos homens adultos e mulheres sobretudo mais-velhas não largavam. Os rapazes das famílias anfitriãs permaneciam, por dever de função, à volta da carne, a dividi-la e a cozê-la, enquanto as mulheres não paravam de trazer água e lenha, hieráticas silhuetas de braços erguidos e passo pesado a fluir e a refluir em filas e a dar corpo e voz às torrentes do crepúsculo.
Aquela era uma noite de junho, era mesmo a noite do solstício de junho, quando o sol inverte a marcha dos seus lugares de nascer e pôr-se, eu via o fogo, os fogos, havia fogos por todo o lado, e não podia deixar de evocar fogos, fogueiras, solstícios por toda a parte do mundo, por todos os hemisférios, evocações que hei-de encontrar em casa, voltando a Luanda, certamente em Eliade e Caillois, sobre o sagrado, sobre festas, orgias, saturnais, e num belo texto qualquer que eu sei que há, da Yourcenar, e outro nos Diálogos com Leuco, de Pavese, de que Jean-Marie Straub extraiu um daqueles límpidos episódios, talhados em pedra branca, do La Nuée et la Resistance…»
[Ruy Duarte de Carvalho, Os papéis do inglês; Cotovia, 2000]

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