2 de maio de 2010

À mão de ler (12)

«Lutei em favor de outros escritores – em favor da própria Arte – durante mais de dez anos, contra as intenções destrutivas dos puritanos e filisteus da chamada classe educada do nosso estado. Envolvido no endurecido veludo dos seus preconceitos, fui praticamente sufocado, apesar de ter lutado contra eles, mesmo em aperto. Fui injuriado, ridicularizado, diminuído e, sim, apresentado em sátiras mal desenhadas por oportunistas, lambe-botas e fêmeas de babuínos. Cavei uma trincheira – chamava-se Sabão – e de lá disparei sobre as falanges armadas dos Cidadãos Pela Promoção da Lisonja, as brigadas sinistras da Liga do Fomento das Artes, as hordas de saia das Cliques Para a Masturbação e Regurgitação Mútua de Poetas e Pintores. E durante todo este tempo, para manter o corpo e a alma intactos enquanto fazia este trabalho, pelo qual nunca recebi um chavo, fui obrigado a ir de porta em porta no esforço de cobrar as rendas absurdamente baixas de inquilinos ingratos e fingidores de desgraças, que não têm qualquer respeito pela propriedade dos outros, que não vêem mal nenhum em atenderem à porta nas suas roupas interiores degradas, e que, quando mostro algum sinal de fraqueza, me atacam com dispositivos incendiários e grandes pedaços de cimento. Para onde quer que me vire, os olhos da polícia não me largam, ao mesmo tempo que os escritores mentalmente perturbados são autorizados a esconderem-se nos arbustos atrás da minha casa. Caí ao chão e ninguém me levantou. Fiquei com o meu dedo do gatilho atrofiado para sempre por causa de um médico negro. E estou rodeado de caixas. E agora, finalmente, estou farto. Aprendi a escrever em espanhol: B-A-S-T-A! Vou deixar o campo de batalha aos meus inimigos, sem vergonha, fértil que está com o meu sangue. Digo: deixai-os gargalhar. Deixai-os relinchar de satisfação. Tenho os meus livros para escrever. Vou pensar na minha própria felicidade...»
[Sam Savage, O Grito da Preguiça; trad. Fernando Vilas-Boas, Planeta, Fevereiro 2010]

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