31 de maio de 2010

Nem sempre a lápis (37)

O passaporte caduca dia 1 de Julho; desconheço se o termo se situa no final do mês anterior ou a partir das vinte e quatro horas do início do mês seguinte. Lido muito mal com a linguagem burocrática, nas suas mais labirínticas extensões; inexpressivas. Não posso ficar de braços cruzados a assistir à conclusão de uma década de vaivém estreado em Tarifa, excepto a única alternativa de o carimbar em Algeciras e Sebta; Ceuta é o nome português do enclave espanhol, do outro lado. Descobri-o em estado terminal por acaso, «como se diz neste tipo de circunstâncias» (Antonio Orejudo), enquanto arrumava a gaveta e acabei por dar uma pequena volta de passaporte para desentorpecer as páginas. Cada pancada de carimbo, num recuo cronológico desordenado do final para o meio, gravou um episódio intransmissível nas folhas voltadas pelas mãos grosseiras de polícias mal-humorados na gare marítima de Tânger; à entrada e à saída. Já percebi que tenho de entrar por lá até Julho, para sair do passaporte de cabeça erguida com dois bilhetes de ida e volta a Asilah. Desta vez, só passarei por Tânger o tempo necessário para apanhar o autocarro e o ferry; tenciono cremar-lhe a validade hospedado no Pátio de La Luna, com a janela aberta para a muralha da Medina. Revoadas de cheiro a eucalipto e a glândula de gazela, fogareiros e iodo, trazidos pela brisa; gatos indolentes numa esteira de folhas prateadas; o trote irregular de uma carroça, puxada por um burro, empurrada pela nódoa debotada de uma djellaba; a algaraviada de outras províncias.
Arquivar uma história para poder abrir outra, sem necessidade imediata de passaporte, com «o destino delineado na asa do pássaro migrante.» (Tahar Ben Jelloun)

6 comentários:

redonda disse...

Há dias consegui encontrar este seu livro, mas ainda não o comecei a ler.

redonda disse...

E esqueci-me de acrescentar ao anterior comentário que como gostei do Entre Chipiona e Tarifa, tenho andado à procura de outros livros seus (que não são fáceis de encontrar) e também consegui encontrar o Blues Para Uma Puta Velha (que também não comecei ainda a ler).

fallorca disse...

Obrigado. Quanto aos livros tem várias alternativas: desde a «casa-mãe» http://frenesilivros.blogspot.com/
a uma boa visita à Letra Livre, Pó dos Livros, Poesia Incompleta, Trama, por ordem alfabética para não melindrar ninguém :)

fallorca disse...

Agora fui eu que me esqueci de lhe dizer que a circulação resume-me a este pentagono lisboeta. Como deve calcular, tiragens de 200 pinóquios não sobrevivem fora dele, do tal pentagono
São 4 da manhã e cheguei à «casa de ninguém»; ouço as gaivotas e dentro de dias estarei em Asilah. Fique bem :)

redonda disse...

Bem, chegaram ao Porto e a Gaia :) (foi onde eu encontrei os três livros, o 1º na Bertrand do Dolce Vita, o 2º na Bertrand da Rua Santo António e o 3º na Fnac do Gaia Shopping)
(aqui pouco passa da meia-noite)
Muito obrigada :)

fallorca disse...

Obrigado, mas conserve as indicações que lhe dei para os livros/autores que não chegarem ao Porto ou a Gaia.
Fique bem :)