4 de agosto de 2012

Nem sempre a lápis (305)

Animais domésticos
(1970/1980)

10. As tábuas atravessavam velocíssimas o oceano. Havia fome. Um campo de girassóis decepados, de encontro à tarde. E uma flor nasce nos lagos estonteados pela morte. Ninguém tinha sossego. De repente as ruas começavam a pensar até setembro. Estavam vivas. Imagino-te depois da praia, com o rosto riscado pelas escamas dos peixes, e tremo devagar encostado à minha voz. Tu contas-me o mês de setembro, na praia, pois
setembro
enquanto as ruas assaltam os prédios e começam a comer-nos o céu. As árvores mexem-se no fundo das raízes. A floresta anda doida à procura de um sítio onde possa morrer devagar, pelas raízes. Tenho medo, diz uma estátua algures, no cimo. E o medo é verde em cima do pedestal. Não, é apenas uma estátua cheia de espinhos, do lado de fora da manhã. Um lenço por onde comes a praia, depois da fome das tábuas. O oceano arde de encontro às ruas transtornadas. Ninguém tem uma flor velocíssima para poder ter medo no cimo das raízes,
das raízes estonteadas dos mortos.

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