«Despede-se de Moll, correspondendo em calculismo ao aperto de mão calculista, e entra no seu pequeno e velho café. O empregado fica surpreendido, reconhece-o, pobre homenzinho tão amável! E desta vez ele não tem que falar, que apertar mãos, que fazer nenhum esforço; não tem de gastar palavras, um sorriso é o suficiente, sorriem um para o outro como dois imbecis, dois homens que já viram passar muita coisa, anos, pessoas, alegrias, infortúnios, e tudo o que o velho homem quer expressar – satisfação, lembrança – lho demonstra colocando em cima da mesa os jornais que ele aqui em tempos costumava pedir e ler.
Tem de estender a mão em direcção à pilha de jornais, tem essa dívida para com o velhote; e é com satisfação que o faz. Sente aqui finalmente uma certa alegria, sente-se em dívida, mas sem opor resistência.
Põe-se a ler ao azar os títulos, as notícias locais, a página cultural, notícias várias, a secção desportiva. A data não importa minimamente, podia trocar aquele jornal com um de há cinco anos que o resultado seria o mesmo, ele só lê a cadência, a letra inconfundível, a disposição gráfica. Melhor do que em qualquer outro lugar ele sabe o que aqui é tratado em cima, à esquerda, e em baixo, à direita, o que aqui é tido por bom ou por mau, nos jornais. Só aqui ou além é que desajeitadamente se introduziu um novo vocábulo.»
[Ingeborg Bachmann, Trinta Anos; trad. Leonor Sá, Relógio d’Água, 1988;
Sean Ford]
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