«San Gabriel sai do nevoeiro húmido de orvalho. As nuvens da noite dormiram sobre o povoado procurando o calor das gentes. Agora está para sair o Sol e a névoa levanta-se devagar, enrolando o seu lençol, deixando fios brancos em cima dos telhados. Um vapor cinzento, apenas visível, sobe das árvores e da terra molhada atraído pelas nuvens; mas desvanece-se de seguida. E atrás dele aparece o fumo negro das cozinhas, cheiroso a azinheira queimada, cobrindo o céu de cinzas.
Lá longe, os outeiros estão ainda em sombras.
Uma andorinha cruzou as ruas e depois ouve-se o primeiro toque da alvorada.
As luzes apagaram-se. Então, uma mancha de terra envolve o povoado, que continua a ressonar um pouco mais, adormecido nas cores do amanhecer.
Não se sabe se as andorinhas vêm de Jiquilpan ou se saem de San Gabriel; só se sabe que vão e vêm ziguezagueando, molhando o peito no lodo dos charcos sem perder o voo; algumas levam algo no bico, recolhem o lodo com as penas timoneiras e afastam-se, saindo do caminho, perdendo-se no sombrio horizonte.
Sobre San Gabriel estava descendo outra vez o nevoeiro. Nos outeiros azuis brilhava ainda o Sol. Uma mancha de terra cobria o povoado. Depois veio a escuridão. Nessa noite, não acenderam as luzes, de luto, pois dom Justo era o dono da luz. Os cães uivaram até ao amanhecer. Os vidros de cores da igreja estiveram acesos até ao amanhecer com a luz dos círios, enquanto velavam o corpo do defunto. Vozes de mulheres cantavam no semi-sono da noite: “Saiam, saiam, saiam, animais de penas”, com voz de falsete. E os sinos estiveram tocando a morto toda a noite, até ao amanhecer, até que foram cortados pelo toque da alvorada.»
[Juan Rulfo, A planície em chamas; trad. Ana Santos, Cavalo de Ferro, Novembro 2003]
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