«Uma pessoa que tenha vivido durante dez anos entalado entre uma montanha e um lago, assediada a toda a volta por picos próximos, não esquecerá o dia em que, pela primeira vez, teve por cima de si um céu extenso e, pela frente, um horizonte sem limites. Logo durante a subida, fiquei espantado por as escarpas e superfícies de rocha que tão bem conhecia lá de baixo, me surgirem tão desmesuradamente grandes. E eis que, inteiramente subjugado por aquele momento, cheio de medo e júbilo, via, de súbito, a tremenda vastidão penetrar em mim. Que fabulosamente grande era, de facto, o mundo! Toda a nossa aldeia, perdida agora lá no fundo, era apenas uma pequena mancha clara. Os cumes que de lá de baixo se julgavam bem vizinhos, ficavam a muitas horas de distância.
Comecei então a pressentir que apenas tivera um pequeno vislumbre, que não havia tido ainda uma visão alargada do mundo, e que, lá longe, se erguem montes, e caem, e sucedem grandes coisas de que jamais chegará a mais leve notícia ao nosso isolado buraco de montanha. E logo em mim algo estremeceu como a agulha da bússola, com uma inconsciente atracção poderosa por aquelas grandes distâncias. Só então compreendi também inteiramente a beleza e a melancolia das nuvens, pois via que infindáveis distâncias elas percorriam.
Os meus dois acompanhantes adultos louvaram a minha boa escalada, repousaram um pouco sobre o cume gélido, e riram com a minha alegria desconcertante. Eu, porém, depois de passado o primeiro grande assombro, de alegria e excitação, berrei alto como um touro pelos ares límpidos. Foi o meu primeiro canto, inarticulado, à beleza. Esperava um eco estrondeante, mas o meu grito soou nas alturas calmas sem deixar sinal, como um fraco pipilar. Fiquei envergonhado, e mantive-me em silêncio.»
[Hermann Hesse, Peter Camenzind; trad. Isabel de Almeida e Sousa, a preço silly pelo “DN”]
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