«A clareza com que agora entendo a ligação dos casos estende-se a tudo quanto vejo e sinto e palpo. Surge-me absolutamente natural, pela primeira vez na vida, estar onde estou, dentro de mim e aqui. E nem a perfeita noção do meu papel neste embate de forças, instrumento de vontades que recuso, produz outra estranheza que não a de mostrar-me enfim maduro para assumir o risco de ver claro.
Desde os primeiros contactos com o material que haveria de conduzir ao arrojo destas linhas, eu sentia dever-me, em termos de satisfação pessoal, um circunstanciado entendimento dos casos, como se disso viesse a depender a organização da minha vida futura. Ver-se-á, ao longo da narrativa, de que forma a estória resulta de uma sucessão de ocorrências que progressivamente me vão envolvendo na trama crescente das informações e dos contactos, como se houvesse dela mesmo algum empenho em perseguir-me. Eis-me, finalmente, na posse de tudo quanto julgo ao meu alcance.
É esta a última noite que passo nesta fazenda. Vou consumi-la a encher as páginas que se vão seguir. E abalarei fechado para o que cá existe. O aeromotor há-de ficar eternamente às voltas contra um céu expectante e arrastará pelas muitas noites a insistente queixa da vara-mestra. Os cães, enormes, adivinharão hienas na distância. E as fogueiras cumprirão, para sempre, a sagrada tarefa de reunir os homens.
Um poeta revela intimidades… Ironias que a prosa mal comporta.»
[Ruy Duarte de Carvalho, Como se o mundo não tivesse leste; Cotovia, 2003]
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