13 de agosto de 2012

Papiro do dia (249)

«Deitou-se no seu compartimento, com a cabeça em cima do casaco dobrado, e pôs-se a pensar. Iria atravessar a Europa naquela cama, acordar dos seus sonhos em sobressalto, tremer de frio quando se aproximasse das montanhas bem suas conhecidas, dormitar, relembrar penosamente. Queria voltar ao ponto de partida, pois já tinha visto quanto bastasse daquilo a que se costuma chamar o mundo.
Alojou-se num pequeno hotel do centro, perto dos correios. Nunca tinha ficado num hotel em Viena. Tinha sido sempre sublocatário, com e sem serventia de banho, com e sem serventia de telefone. Ficara com parentes, com uma enfermeira que vivia sozinha e que não suportava o seu cheiro a tabaco, com a viúva de um general de cujos gatos e cactos ele tinha de cuidar quando ela ia para as termas.
Esteve tão indeciso durante dois dias, que não se atreveu a telefonar a ninguém. Ninguém o esperava. A algumas pessoas não escrevia há já demasiado tempo, outras não tinham respondido às suas cartas. Sentiu de repente que o seu regresso era impossível por várias razões. Um morto não teria mais direito do que ele a regressar. Ninguém pode prosseguir onde quebrou.»
[Ingeborg Bachmann, Trinta Anos; trad. Leonor Sá, Relógio d’Água, 1988;
home sweet home]

3 comentários:

Anónimo disse...

http://www.youtube.com/watch?v=ul37dB-BM2M

fallorca disse...

Naice... e o resto, também? ;)

Anónimo disse...

Vai indo vai indo :)