18 de setembro de 2012

Papiro do dia (260)

«Para fazer o que fazes, precisas de caminhar. É a caminhar que te vêm as palavras, que ouves os ritmos das palavras que vais escrevendo mentalmente. Um pé à frente, depois o outro, a batida dupla do teu coração. Dois olhos, dois ouvidos, dois braços, duas pernas, dois pés. Isto, e depois aquilo. Aquilo, e depois isto. A escrita começa no corpo, é a música do corpo, e ainda que as palavras tenham significado, possam às vezes ter significado, é na música que os significados começam. Sentas-te à mesa para escrever fisicamente as palavras, mas na tua cabeça continuas a caminhar, sempre a caminhar, e o que ouves é o ritmo do teu coração, o batimento do teu coração. Mandelstam: “Gostava de saber quantos pares de sandálias gastou Dante enquanto trabalhava na Commedia.” A escrita é uma forma menor de dança.»
[Paul Auster, Diário de Inverno; trad. Francisco Agarez, ASA 2012]

1 comentário:

Bartolomeu disse...

Quando era miúdo precisei usar uns sapatos ortopédicos. Uma chatice... parecia uma pata choca, quando andava.
A vida é isto também, nela, uns nascem para caminhar incessantemente, outros, nascem para fabricar os sapatos que os outros usam para andar...
;)