«Havia anos que não trabalhava de noite, com o pretexto de que o barulho da máquina incomodava os vizinhos. Na realidade, estava ocupado, sem fazer nada mais do que traduções e prosas burocráticas. Andrés descobriu a sua vocação de contista quando era criança. Quando era adolescente, a sua biblioteca estava formada sobretudo por colecções de contos. Ao contrário da dispersão dos seus amigos, ele quase que se orgulhava por não ler poemas, romances, ensaios, dramas, filosofia, história, livros políticos e, pelo contrário, frequentar os contos dos grandes narradores vivos e mortos.
Durante alguns anos, Andrés frequentou o curso de arquitectura, obrigado a seguir a profissão do pai como filho único. À tarde, assistia como ouvinte aos cursos de Filosofia e Letras que pudessem ser úteis para a sua formação como escritor. Na Cidade Universitária recém inaugurada, Andrés conheceu o grupo da revista Trinchera, impressa em papel sobrado de um jornal de cor vermelha, e o seu director Ricardo Arbeláez que, sem o dizer, actuava como professor desses jovens.
Passados trinta e vários anos depois de se ter formado em Direito, Arbeláez queria fazer o doutoramento em literatura e converter-se no grande crítico que ia estabelecer uma nova ordem nas letras mexicanas. Na Faculdade e no Café de las Américas, falava sem cessar dos seus projectos: uma nova história literária a partir da estética marxista e de um grande romance capaz de representar para o México daqueles anos, o que Em busca do tempo perdido significou para a França. Ele insinuava que havia rompido com a sua família aristocrática, uma mentira que bradava aos céus, e portanto escreveria o seu livro com verdadeiro conhecimento de causa. Até então, a sua obra limitava-se a resenhas sempre adversas e a textos contra o PRI e o governo de Ruiz Cortines.
Ricardo era um mistério, mesmo para os seus amigos mais próximos. Murmurava-se que tinha mulher e filhos e, contrariando as suas ideias, de manhã trabalhava no escritório de um advogangster, defensor dos indefensáveis e famoso pelos seus escândalos. Nunca ninguém o visitou nem no escritório nem em casa. A vida pública de Arbeález começava às quatro da tarde na Cidade Universitária e terminava às dez da noite no Café de las Américas.
Andrés seguiu os ensinamentos do professor e publicou os seus primeiros contos em Trinchera. Sem renunciar à sua atitude crítica, nem à exigência de que os seus discípulos escrevessem a melhor prosa e o melhor verso possíveis, Ricardo considerava Andrés “o contista mais prometedor da nova geração”. No seu balanço literário de 1958, fez o elogio definitivo: “Para narrar, ninguém como Quintana”.
[José Emilio Pacheco, O princípio do prazer; em tradução para a colecção Ovelha Negra / Oficina do Livro;
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