«A preferência fez estragos no grupo. A partir de então, Hilda reparou em Andrés. Entre os de Trinchera, ele era o único que sabia escutá-la e apreciar os seus poemas. No entanto, não tinham sido íntimos porque Hilda estava sempre ao lado de Ricardo. A sua relação nunca ficou esclarecida. Às vezes, parecia a discípula intocável e admiradora de quem lhes indicava o que ler, que opinião ter, como escrever, quem admirar ou detestar. Por vezes, apesar da diferença de idades, Ricardo tratava-a como uma namorada da altura e, de quando em quando, tudo indicava que tinham uma relação muito mais íntima.
Arbeláez passou umas semanas em Cuba para fazer um livro, que não chegou a escrever, sobre os primeiros meses da revolução. Insinuou que tinha sido apresentado a Ernesto Guevara e a Fidel Castro e como agradecimento, ambos o convidavam para festejar o triunfo. Esta mentira, pensou Andrés, comprovava que Arbeláez era um mitómano. Durante a sua ausência, Hilda e Quintana viram-se todos os dias e a toda a hora. Convencidos de que não conseguiriam separar-se, decidiram falar com Ricardo quando voltasse de Cuba.
Na mesma tarde da conversa no café Palermo, no dia 28 de Março de 1959, as forças armadas desmantelaram a greve ferroviária e detiveram o seu líder, Demetrio Vallejo. Arbeláez não colocou obstáculos à união dos seus amigos, mas afastou-se deles e não voltou a Filosofia nem a Letras. Os amores de Hilda e Andrés marcaram o fim do grupo e a morte de Trinchera.
Em Fevereiro de 1960, Hilda ficou grávida. Andrés não hesitou um instante em casar-se com ela. A mãe (que o marido tinha abandonado com duas filhas pequenas) aceitou o casamento como um mal menor. Os senhores Quintana consideraram-no um equívoco: à beira de fazer vinte e cinco anos, Andrés deixava os estudos quando já só lhe faltava apresentar a tese e não iria conseguir sobreviver como escritor. Ambos eram católicos e membros do Movimento Familiar Cristão. Estremeciam só de pensar num aborto, numa mãe solteira, num filho sem pai. Resignados, presentearam os novos esposos com algum dinheiro e uma casinha pseudo-colonial das que o arquitecto tinha construído em Coyoacán, com materiais das demolições na antiga cidade.
Andrés, que ainda continuava a trabalhar todas as noites nos seus contos e se recusava a publicar um livro, nunca escreveu notícias nem resenhas. Já que não podia dedicar-se ao jornalismo, enquanto tentava abrir caminho como guionista de cinema teve de redigir as memórias de um general revolucionário. Nenhum script satisfez os produtores. Pelo seu lado, Arbeláez começou a colaborar todas as semanas em Mexico en la Cultura. Durante um tempo, as suas críticas ferozes foram muito comentadas.
Hilda perdeu a criança ao sexto mês de gravidez. Ficou incapacitada para conceber, abandonou a Universidade e nunca mais voltou a fazer poemas. O general morreu quando Andrés ia a meio do segundo volume. Os herdeiros cancelaram o projecto. Em 1961, Hilda e Andrés mudaram-se para um sombrio apartamento interior da colónia Roma. O aluguer da sua casa em Coyoacán era tanto como o que Andrés ganhava a traduzir livros para uma empresa que fomentava o pan-americanismo, a Aliança para o Progresso e a imagem de John Fiztgerald Kennedy. No Suplemento de referência naqueles anos, Arbeláez (sem mencionar Andrés) denunciou a casa editorial como tentáculo da CIA. Quando a inflação lhe pulverizou o orçamento, as amizades familiares obtiveram o lugar de revisor na Secretaria de Obras Públicas para Andrés. Hilda ficou empregue, como a irmã, na boutique de Madame Marnat, na Zona Rosa.»
[José Emilio Pacheco, O princípio do prazer; em tradução para a colecção Ovelha Negra / Oficina do Livro;
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