«Seja como for, à noite Andrés dizia a Hilda, a minha vocação era escrever e de uma maneira ou de outra estou a cumpri-la. / Ao fim e ao cabo, as traduções, os folhetos e até mesmo os ofícios burocráticos podem estar tão bem escritos como um conto, não achas? / Só por um conceito elitista e arcaico se pode julgar que a chamada “literatura de criação” é a única coisa válida, não te parece? / Além disso, não quero entrar em competição com os escritorzecos mexicanos inchados pela publicidade; romancezecos como os que os pseudo-críticos que padecemos agora tanto elogiam, eu podia fazer dez deles por ano, não é verdade? / Hilda, quando todos os livros que têm êxito no México estiverem feitos em pó, alguém irá ler Fabulaciones e então… /
E agora, por um conto – o primeiro numa década, o único posterior a Fabulaciones – estava pronto para receber o que ganhava durante meses de tardes inteiras em frente da máquina a traduzir o que definia como ilegivros. Ia pagar as dívidas da secretária, comprar coisas que lhe faziam falta, comer em restaurantes, ir de férias com Hilda. Graças a Ricardo, tinha recuperado o seu impulso literário e deixava para trás os pretextos para esconder o seu fracasso essencial a si mesmo:
Não se pode ser escritor no subdesenvolvimento. / Estamos em 1971: o livro morreu: nunca mais ninguém voltará a ler: agora o que me interessa são os mass media. / Bom, quando se trata de escrever tudo serve, não há trabalho perdido: com a minha experiência burocrática, vais ver, vão sair coisas. /
Com o indicador da mão esquerda escreveu “os arrozais flutuam no ar” e prosseguiu sem se deter. Nunca antes o tinha feito com tanta fluidez. Às cinco da manhã, pôs o ponto final a seguir a “entre os dois vulcões”. Leu as suas páginas e sentiu uma plenitude desconhecida. Quando foi dormir, tinha fumado um maço de Viceroy e bebido quatro coca-colas, mas acabava de escrever A FESTA BRAVA.»
[José Emilio Pacheco, O princípio do prazer; em tradução para a colecção Ovelha Negra / Oficina do Livro]
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