«Mauricio teria gostado de saber porque é que era melhor deixá-los assim, mas não se atreveu a perguntar. “Talvez sim, talvez seja melhor assim”, disse para consigo, querendo dar alguma razão à mulher, confiando nela embora ela não o soubesse, nem precisasse. Por via das dúvidas, Mauricio tirou do saco o único pão que lhe tinha sobrado do almoço, cortou-o em dois pedaços e atirou um pedaço ao cão. O cão recuou uns passos sem deixar de o olhar e voltou a ficar quieto. Era evidente que o cão não queria comida, que estava ali só para o observar. Nem sequer se aproximou para cheirar o pedaço de pão. Limitava-se a olhá-lo, com insistência mas sem curiosidade, um homem sentado à porta de uma loja, nada mais.
Aceitando o desafio, Mauricio susteve-lhe o olhar. Podia ver o movimento do seu corpo a respirar, parecia que lhe custava fazê-lo. O sol destacava as manchas cinzentas sobre o seu corpo cinzento. A língua pendia-lhe de um lado, escura, e o focinho pareceu-lhe demasiado negro. Mauricio, de repente, estremeceu ao pensar que o cão estava prestes a colocar-lhe uma perguntar. Mas o cão continuava quieto, mudo, como se estivesse a avaliar se valia a pena perguntar a esse homem o que tinha de perguntar.»
[Ricardo Romero, Nenhum Lugar; trad. Patrícia Louro, Deriva, Setembro 2010]
1 comentário:
Custava fazê-lo, mas não era irrespirável (como no texto de cima). Menos mal. Ou não.
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