1 de agosto de 2012

Nem sempre a lápis (304)

Animais domésticos
(1970/1980)

8. Temos um pátio – uma ideia de pátio – onde os sons estonteantes dos gritos pululam como cactos. Encostamos os ouvidos às árvores, e as árvores começam a crescer dentro de nós: explodimos devagar, nos pátios.
Vejo as tábuas atónitas encostadas à queda. Voltamo-nos para o centro e os barcos alimentam a paisagem. A paisagem mastiga os barcos, como a estátua devora a homenagem. Aos domingos acrescentamos a semana, ao contrário dos outros dias. Só as águas cantam nas flores mortas, depois da nossa grandeza.
Do fundo da tarde vem a noite aos tropeções nas árvores. Os telhados dão fruto, debruçados sobre uma tábua esplêndida e as paredes explicam a infância. Tudo mexe em volta das tábuas loucas. Eram azuis, as casas. Não sei como mexem os campos em volta dos girassóis tremendos.
A uma casa, segue-se um jardim.
A uma casa, segue-se uma casa sitiada por um jardim.
Atravessei-me como uma ave, a alma distraída de uma ave. Como profissionais batemos as mãos arrancadas das paredes, enquanto as árvores mancham as civilizações. Percorremos os mapas. Inventamos países. Por toda a parte as crianças iluminam maçãs venenosas. Pouco se sabe da nossa vocação. À nossa volta a terra muda de posição e os astros fervem horrorizados.
Apodrecemos lentamente, por baixo.

5 comentários:

Anónimo disse...

gostei imenso! Como sempre :)

Anónimo disse...

E sem querer ser chata, dê uma opiniaozinha(positiva ou negativa) sobre o mais recente post no meu blog pf :)

fallorca disse...

Refere-se ao texto publicado na «Ler»? É seu?

Anónimo disse...

Sim, é :) é singelo e amador, eu sei, não seja demasiado duro comigo :))

fallorca disse...

Porque haveria de ser?, já foi «escrutinado», como V. costuma dizer :)
Digo-lhe em privado (mail, msn, etc)