19 de outubro de 2013

Nem sempre a lápis (443)

Memória descritiva
Barco
 
A serração era um oceano de carcódoas.
Para ser verdade, nem sequer lhe faltavam Adamastores, e tormentas de mães zeladoras de calções.
Atravessava-se a estrada, de navalhinha em riste, e sentávamo-nos no chão, encostados aos troncos.
Grudados pela resina, permanecíamos horas a fio a desbastar carcódoas, como mestres de laboriosos estaleiros navais.
A maior parte das vezes em silêncio, ouvindo-se apenas a lâmina a desbravar a casca da circum-navegação infantil.
De certeza que também se ouviam cigarras.
O canto das cigarras fica sempre bem nestas coisas.
Era Verão, e elas deveriam estar empoleiradas nos postes telefónicos, antecipando comunicações.
Lançando o alerta de que não tardaria a fazermo-nos ao mar.
Também os fazíamos de papel.
Mais no Inverno, para velejar nas selhas do banho semanal.
Ou lançar ao sabor dos imensos Nilos das valetas animadas pela chuva.
Que me recorde, não havia naufrágios, pirataria, nem azáfama piscatória.
Os nossos barcos só cumpriam viagens.

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