9 de outubro de 2013

Papiro do dia (440)

«Ultimamente tenho levado o meu livro para o quarto do Standish e sento-me com ele. Não sei bem se ele está inconsciente a maior parte do tempo, ou apenas demasiado deprimido para comunicar. Está deitado com as mãos crispadas sobre a colcha, uma maneira de se resguardar a si próprio, acho eu. Quando acorda ou se agita, geme. Por duas vezes imaginei que ele estava de facto a morrer. Uma vez corri à cozinha e pedi à Harriet que viesse ver. Ela ajeitou-lhe s almofada, viu-lhe o pulso, e depois pediu-me que fosse à cozinha para termos uma “conversinha”. “É um caso terminal”, explicou-me, “cancro”, e não há nada que o médico possa fazer.” Esta, explicou-me, é a razão por que ela não insistira em que ele viesse. Foi muito terra-a-terra acerca de tudo isto.
Quando uma criança nasce, morreria se ninguém lhe batesse no rabo e provocasse o choro que a ajudará a receber o ar frio e cruel nos pulmões. Que rito de passagem existe para os que morrem? Tenho de perguntar isto ao Richard Thornhill...
Especialmente quando não existe fé em Deus, que podemos esperar que lá haja para limpar o suor frio de uma testa, ou pegar numa mão (as do Standish estão geladas) e tentar aquecê-la?»
[May Sarton, Prepara-te para a morte e segue-me; trad. Bárbara Smith, Cotovia, Março 1997]
 

2 comentários:

F disse...

O livro "This Timeless Moment", escrito por Laura Huxley, segunda mulher de Aldous Huxley, além de nos dar a conhecer os últimos anos de Huxley, também nos relata como foi a morte dele. Muito tranquila (e com uma dose reforçada de LSD). Enquanto Huxley morria, Laura segurava-lhe na mão e (à maneira dela) ia orientando o pensamento de Huxley no sentido de o 'ajudar' a libertar-se do corpo, deixando que o que tivesse que vir, que viesse.

Huxley conhecia o 'Livro dos Mortos' dos budistas e apreciava essa tradição praticada pelos monges junto do leito de morte.


Por estes dias descobri um jovem neurocientista que defende o 'possibilianism' (quais crentes, quais ateus, quais agnósticos!). Humildade na atitude, perante um imenso universo onde tudo é possível. Quanto mais sabemos, mais sabemos que não sabemos nada...

F disse...

"Sufficient unto the day is the evil thereof"

"There are two diametrically opposite views about dying. One is that the best way is to go without knowing it, to slip away — hopefully when sleeping. The other view — less prevalent but more spiritually enlightened — is that one should die as aware and clear-minded as possible; that death is one of the great adventures of life, and one should not miss it or block it by unconsciousness. In this view, it is thought that the future life of the "soul" or "consciousness" or "mind" (whatever word one uses for that which pervades the body and gives it life) is influenced to a great extent by thoughts and feelings at the moment of death.
Aldous believed in the latter."