30 de outubro de 2013

Papiro do dia (407)

«O primeiro amante era o sol, andando em volta do corpo deitado, lambendo-o com a sua língua de lume, batendo-lhe ao de leve com a sua cauda, farejando-o com o seu focinho de luz – via-se isso através das pálpebras, sem abrir os olhos, enquanto o corpo amolecia e se sentia mais forte o cheiro do vento – a agora o sol começava a apoderar-se de todo o corpo, avançava sobe ele com pés cautelosos, como um animal bravio, e a gente entregava-se, rendida, e o sol entrava pela pele, pelos ouvidos, pelas narinas, pela boca, e havia finalmente o momento em que se abandonava de todo a resistência e se afastavam também as pernas e se recebia o sol no meio do corpo – o sol, sim, o sol era o primeiro amante.
Ou o mar, o mar era o primeiro amante. Quando se ficava deitada na areia, quieta, quase sem respirar, tensa de expectativa, e ele subia desde longe, sem ruído, e rebentava de súbito sobre nós, inundando-nos com a sua baba de espuma.»
[Teolinda Gersão, A árvore das palavras; Sextante, 6.ª ed., Maio 2008;
depois do sol]

2 comentários:

Unknown disse...

Adorei o excerto, está soberbo. Mas a foto também o acompanha muito bem mesmo! Excelentes escolhas ;)

fallorca disse...

Não se fique pelos excertos :)